Introdução
As relações de trabalho na construção civil possuem particularidades significativas que impactam diretamente os direitos e deveres das partes envolvidas. Quando o contratante é uma pessoa jurídica (PJ), a caracterização do vínculo empregatício e a responsabilidade trabalhista variam consideravelmente, dependendo da natureza da atividade empresarial do contratante – se é ou não uma empresa construtora. Este artigo analisa as implicações jurídicas dessas diferentes configurações, fundamentando-se na legislação vigente e em relevantes julgados dos tribunais superiores brasileiros.
1. Pessoa Jurídica não Construtora como Contratante
Quando a pessoa jurídica contratante não tem como atividade-fim a construção civil, sua relação com o pedreiro contratado recebe tratamento jurídico específico. O entendimento predominante é que o dono da obra, quando não atua profissionalmente no ramo da construção, não assume responsabilidade solidária ou subsidiária pelas obrigações trabalhistas.
Este entendimento foi consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) através da Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 191 da Subseção I de Dissídios Individuais (SBDI-1), que estabelece:
“Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.”
Julgados Relevantes:
Um caso emblemático foi julgado pelo TST no processo RR-1000-71.2008.5.15.0120, onde uma indústria de papel contratou empresa para construção de novo galpão. O Tribunal aplicou a OJ 191, afastando a responsabilidade subsidiária da contratante pelos débitos trabalhistas:
“RECURSO DE REVISTA. DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INEXISTÊNCIA. Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora. Inteligência da OJ 191 da SBDI-1. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, RR-1000-71.2008.5.15.0120, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT 12/08/2011)
Outro julgado importante foi o RR-126900-88.2009.5.03.0011:
“RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE. A jurisprudência desta Corte, consubstanciada na OJ nº 191 da SBDI-1, é no sentido de que o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, RR-126900-88.2009.5.03.0011, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 04/11/2011)
2. Pessoa Jurídica Construtora como Contratante
Situação significativamente diferente ocorre quando a pessoa jurídica contratante é uma empresa construtora ou incorporadora. Nesse cenário, a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas do pedreiro contratado adquire contornos mais amplos e pode ser caracterizada como solidária ou subsidiária.
Quando a construção integra a atividade-fim da empresa contratante, aplica-se o entendimento da Súmula 331 do TST, que trata da terceirização de serviços e estabelece a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto às obrigações trabalhistas.
Julgados Relevantes:
No processo AIRR-122440-10.2015.5.13.0002, o TST reafirmou a responsabilidade subsidiária de construtora que subcontratou serviços:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA. CONSTRUTORA. EXCEÇÃO PREVISTA NA PARTE FINAL DA OJ 191 DA SBDI-1 DO TST. Não prospera a tese da parte agravante de que a OJ 191 da SBDI-1 do TST exclui a responsabilidade do dono da obra, pois a referida orientação jurisprudencial ressalva expressamente a situação em que o dono da obra é uma empresa construtora ou incorporadora, hipótese dos autos. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (TST, AIRR-122440-10.2015.5.13.0002, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 31/03/2017)
No processo RR-131300-38.2009.5.03.0011, o TST aplicou a exceção da OJ 191:
“RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONA DA OBRA. CONSTRUTORA OU INCORPORADORA. EXCEÇÃO PREVISTA NA OJ 191 DA SBDI-1. A jurisprudência desta Corte, sedimentada na OJ nº 191 da SBDI-1, afasta a responsabilidade solidária ou subsidiária do dono da obra pelas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, exceto quando se tratar de empresa construtora ou incorporadora. Recurso de revista não conhecido.” (TST, RR-131300-38.2009.5.03.0011, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 28/06/2013)
3. Distinções Práticas e Implicações Jurídicas
A caracterização da relação jurídica entre pedreiro e pessoa jurídica contratante depende crucialmente da natureza da atividade econômica desta última. As principais diferenças podem ser sintetizadas da seguinte forma:
- PJ não construtora:
- Responsabilidade trabalhista limitada, conforme OJ 191 do TST
- Relação jurídica típica de contrato civil de prestação de serviços ou empreitada
- Ausência de vínculo empregatício direto com o pedreiro
- Inexistência de responsabilidade solidária ou subsidiária pelos encargos trabalhistas
- PJ construtora:
- Responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas, conforme Súmula 331 do TST
- Possibilidade de caracterização de terceirização de serviços
- Aplicação da exceção prevista na parte final da OJ 191 do TST
- Maior rigor na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pelo empreiteiro contratado
Conclusão
As relações trabalhistas entre pedreiro e pessoa jurídica contratante apresentam tratamento jurídico distinto, dependendo da natureza da atividade empresarial da contratante. A jurisprudência consolidada do TST estabelece claramente essa diferenciação, protegendo o dono da obra que não atua no ramo da construção civil, enquanto impõe maior responsabilidade às empresas construtoras e incorporadoras.
Esta distinção é fundamental para a segurança jurídica das relações contratuais no setor da construção civil, estabelecendo parâmetros claros de responsabilidade para cada tipo de contratante. Para empresas que não atuam no ramo da construção, recomenda-se, ainda assim, a adoção de medidas preventivas na contratação de serviços de construção, como a verificação da idoneidade financeira do empreiteiro e o monitoramento do cumprimento das obrigações trabalhistas durante a execução da obra.